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terça-feira, 14 de outubro de 2014

Sementeira do Pão


Outubro é altura da sementeira do pão. Em Forninhos já não vai encontrar terra lavrada prestes a ser semeada, mas vamos falar de como os lavradores faziam para germinar e produzir o nosso pão. 
Era necessário executar sobre a terra várias operações. Por exemplo, nas terras desprovidas de água, que apenas suportavam uma cultura em cada ano, era preciso estrumá-la e lavrá-la. Depois alisá-la para garantir que a distribuição da semente fosse bem espalhada, gradeando-a com a grade voltada ao contrário - como pode ver-se na imagem acima - em que se utilizou uma pedra para fazer peso e garantir o alisamento. Às vezes o peso da pedra era substituído pelo próprio lavrador que ía com os pés em cima das travessas da grade e inclinado para trás segurava com uma das mãos a corda para manter o equilíbrio e com a outra mão segurava a aguilhada para orientar os animais. 
Espalhar a semente
Se o terreno era grande, como por vezes acontecia, requeria que tivessem certos cuidados. Colocavam-se por exemplo, marcas delimitadoras de zonas. As marcas podiam ser ramos espetados na terra, que depois de lavrada e alisada estava mole, para orientação visual de quem estava a espalhar a semente. O semeador utilizava um saco e tirava uma mão cheia de grão que espalhava e a cada mão cheia de grão que tirava, espalhava.
Claro que se uma seara era muito grande não se conseguia estrumar, lavrar, gradar, semear, tudo num só dia ou no seguinte, embora estas tarefas fossem efectuadas num curto espaço de tempo.
Espalhada a semente era altura de amarejar a terra, ou seja, traçar margens ou regos  com as aivecas do arado na terra semeada, para que o cereal desenvolva as raízes mais abaixo - num espaço arejado - e para permitir em tempo de chuva o esgotamento das águas e, assim, não estragar a sementeira.
Disseram-me que a habilidade para fazer regos perfeitos e direitos na sua seara era, por vezes, motivo de vaidade e orgulho, já que de comentário entre todos! Verdadeiras obras de arte agrícola que se mantinham até à ceifa. Hoje há pinhais, em Forninhos, com os regos pronunciados. Já uma "arada" mal feita ficava com esse aspecto até à ceifa e por isso havia tempo para gozarem com o artista. 
É evidente que a forma de lavrar as searas nada tinha de especial e não existia uma receita para as distâncias em que deviam ser executadas, tudo dependia de vários factores que o lavrador melhor que ninguém conseguia avaliar em cada caso: comprimento dos regos, inclinação do terreno, pluviosidade do local, consistência da terra, etc...
Todos nesta terra eram lavradores e todos merecem ser lembrados, mas merece aqui especial menção o meu avô Cavaca, um dos mais habilidosos.
Convém ainda recordar que o estrume curtido era acartado para as terras no carro de bois equipado com as sebes e "artilhado" com fugueiros ou fueiros (paus que se enfiam numas argolas no estrado do carro e que se mantêm na vertical e que servem de apoio às sebes) como pode ver-se na imagem abaixo. Bem, talvez o mais habitual fosse o carro de uma junta de vacas (duas vacas ao mesmo tempo a puxar o carro). A razão para uma só vaca, prender-se-à com factores económicos e menor área no campo para cultivar.


Carro com rodas de meia lua, equipado com sebes e chavilhão na ponta e charrua (utilizada também na lavoura) fotografados há muitos anos junto à Sede da Junta de Freguesia de Forninhos. Não sei se ainda existirão...penso que não, por tal é que este blog continuará a mostrar o que o tempo apagou.

28 comentários:

  1. Tão bom lembrar daqueles tempos e hoje, tudo tão diferente, mesmo por lá, a lembrança de pessoas que tanto fizera, assim como o vô Cavaca, é um grande registro! Lindo post, mais uma vez! bjs, chica

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    1. Obrigada Chica. Fiz este post e dei comigo, sim, a lembrar, a recordar o cheiro a terra lavrada e a pensar naquilo que durante anos e anos o meu avô Cavaca e outros avôs durante anos fizeram sobre ela. O esforço de homens durante todo um ano e animais também.
      Bjos**

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  2. Ao ler este texto...recordei que...há 30 anos atrás...com uma turma (fui professora durante 35 anos) fizemos um vídeo...com vários aspetos deste processo!
    Era uma aldeia repleta de tradições...onde a agricultura do milho estava bastante enraizada!!!
    É sempre bom recordar!!!
    Bj amigo

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    1. Para se perceber melhor aquilo que escrevo, o leitor da cidade tem mesmo que ir até à aldeia. Em Forninhos, como digo, já não vai encontrar terra semeada de pão, mas na Primavera vai encontrar ainda terra lavrada prestes a ser semeada de milho, feijão, batata.
      Dantes as escolas planificavam este tipo de visitas, efectuadas pelos alunos, mas agora acho que está fora de moda...
      Beijo amigo tb.

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  3. Era mesmo nesta altura que elas começavam, as sementeiras.
    No chiar do carro puxado pelas vacas pela manhãzinha, as sebes quase estoiravam de barrigudas pelo estrume acomodado que iria alimentar a terra.
    Daqui recuo bons anos atrás e revejo-me criança, ainda sem saber letras e números do banco da escola, mas aprendendo o mesmo dos que por lá não passaram...
    A caminho das fraldas da serra de S. Pedro, terras pródigas para o centeio, terras "centeeiras", secas, que já tinham sido lavradas para acolher o milho colhido por alturas de Agosto.
    Era a altura de "estravessar" a terra e pôr à prova o arado de pau e a sua "relha" de ferro pois já era Outono e os lavradores perdiam-se nas sementeiras. Era duro mas engraçado para mim o modo com tal era feito, à semelhança do texto. Eu adorava andar à frente das vacas para estas acertarem no rego e tudo ficar a preceito, nada custava, eram mansas, enquanto o meu pai segurava a rabiça do arado, ele sabia daquilo, nesta vida fora criado.
    Um dia deixou-me experimentar e peguei no arado; não fora estar atento e ainda nesta hora não sei aonde andaria. As vacas resolveram ir a direito (do jeito delas), arado tombado e eu a gradar a terra de rojo...
    Bem me disse que para aprender tinha de meter uns seixos na mão e apertar bem a rabiça do arado. Depois percebi, ainda me faltava o "calo".
    Guardo a imagem de ver a tiracolo o saco das sementes ou um caldeiro na mão, que em cadência ia lançando para a terra como antevendo já o tempo das ceifas e aquela algazarra toda festiva. E o arado com aquele vassouro de giestas para tornar as margens do rego mais largas.
    A grade era o momento sublime para nós "garotada", o final feliz deste filme. Ela, a grade, por norma levava em cima um pedregulho para fazer peso sobre aquela terra marejada, mas no fim quase sempre vinha o "rebuçado" de nos sentarmos na grade e "nadar" por cima da terra, acho que até as vacas que puxavam o cambão que ligava à grade, iam felizes com as nossas gargalhadas de felicidade.
    No ano passado fui "ao cheiro" dos míscaros para as bandas de Valongo e cheguei ao Valnabôa, onde outrora cultivávamos bastante centeio. Quase nem dei com o terreno tal a densidade da "agora" mata de pinheiros enormes, mas soube que era ali pelos restos dos regos que ainda estavam vincados na terra.
    Tal sorte não teve a figueira de figos pretos que me deliciavam comidos na sua sombra. Ficou na memória, tal como agora me apetecia ouvir a voz do meu saudoso pai:
    - "Anda garoto, sobe para a grade e vamos dar uma voltinha.."..

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    1. Xico, como sabes a terra com o centeio semeado, apenas voltava a ser mexida lá para Fevereiro ou Março, pelo que vais ter de ser tu a dar continuidade a esta tarefa, que os mais novos desconhecem.Tens mais memórias que eu, razão por que tens de ser tu a tal publicar ;-)
      Ainda bem que lembras-te o arado com o vassouro de giestas. Obrigada. Sabes bem que há coisas que escrevo que não vivi, mas procuro (tal como tu) ajuda junto das pessoas mais velhas, só assim posso conhecer melhor a nossa terra, quem sou e de onde venho.
      Para semear o centeio havia várias operações que se tinham que realizar. Nem sei se utilizei bem o termo amarejar, mas sei que não mencionei o arelvar. Penso que o arelvar se fazia logo depois da ceifa e entendi que era revolver a terra e prepará-la para semear ainda milho e chícharos.
      A respeito da voltinha na grade, dizia-me a tia Agostinha Guerrilha (que é mulher que vai à frente das vacas) que às vezes na grade iam os netos, o Tiago e o Miguel (os irmãos da nossa querida amiga Carina). Quer isto dizer que as voltinhas na grade, atendendo à idade dos gémeos, fazem parte dum passado bem recente.

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    2. Fica descansada pois que por altura da Primavera e podendo, "pegarei" no arado e aqui viremos continuar as outras sementeiras, com vivencias e palavras de quem preserva o orgulho de ainda agora, debilitado pela idade, continua a ser agricultor. O cheiro do campo ao lado de quem por la passou uma vida, tem magia!
      Beijo.

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  4. Boa noite, pelo facto de sempre ter vivido na cidade, desconheço quase na totalidade o processo desde do semear, colher e fabricar, mas aprecio todo o labor das pessoas envolvidas, sou como a maioria das pessoas, que ao consumir o pão nunca se lembra como é que o mesmo foi elaborado.
    AG
    http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/

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    1. Se quiser insira o link abaixo para melhor conhecer o ciclo do pão. Foi um post de que gostei muito de fazer.

      http://onovoblogdosforninhenses.blogspot.pt/2012/04/historia-antiga-o-nosso-pao.html

      Tenha uma boa noite.

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  5. Adoro ler estes teus relatos, pois cresci na cidade e não "vivi" nada destas nossas tradições que tão importantes são.
    Vidas duras!
    Beijinhos.

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    1. É mesmo pela vida dura que viveram que sinto que devo manter viva a memória dessa gente antiga. Honraram a terra de Forninhos.
      Beijinhos e cont. de boa semana.

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  6. Artigo bem escrito que nos aviva a vontade de rever coisas antigas...
    Fotos bonitas e o tema muito me agradou: "Sementeira do Pão".

    Beijinhos...

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    1. Acho que a sementeira do nosso pão e o modo como era obtido o pão nos anos 40, 50, 60 e até 70 do século passado é uma tarefa demasiado importante para que dela se fale de modo ligeiro. A sementeira do pão e todas as tarefas do mundo rural...
      Também acho estas fotos bonitas. São fotos com história.
      Beijinhos.

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    2. Oi Paula... Vim por aqui e vi sua resposta... Não entendi tão bem o que quis dizer! Às vezes escrevo pouco, simplesmente porque não encontro palavras p me estender. É uma característica bem minha. Entretanto, sempre valorizo muito o que oferecem sobre Forninhos!

      Um grande abraço...

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    3. Olá Anete, o que quis dizer foi somente que sobre as tarefas do mundo rural temos obrigação de, pelo menos, tentar escrever um bom artigo. Há fotos históricas e há momentos que valem por mil palavras, contudo todas as imagens merecem uma legenda ou mais...
      Quando acima refiro que a sementeira do pão" é uma tarefa demasiado importante para que dela se fale de modo ligeiro, é a minha forma de "sublinhar" que os autores da monografia da minha terra a que deram o título de "Forninhos, a terra dos nossos avós", tal fizeram, já que contém apenas uma canção das ceifas e outra das malhas...sem mais!
      A meu ver, os nossos avós, não o mereciam!
      Além que uma imagem associada ao "pão" é do feno!
      Pois bem: feno é erva dos lameiros e lenteiros e o centeio não é feno!
      Retribuo o abraço.

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    4. OK, querida Paula! Entendi!
      Beijos e Obrigada...

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  7. Paula, admiro o seu amor à terra e às tradições.
    Beijo

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    1. Entendi o que disse, Mas, apenas amo a terra que conheci, não o Forninhos de hoje, atenção!
      Beijo.

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  8. Tempos que carregam saudades.

    Beijos

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    1. A propósito tenho uma frase que carrego comigo sobre as saudades:
      A verdadeira afeição na longa ausência se prova. (Camões).
      Beijos.

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  9. Estas "coisas" do tentar devolver o antigo ao futuro, no linguajar sobre modos e medos, tem unicamente uma finalidade a que um dia muito distante, alguem agradecera.
    Por vezes dizem que falta o saber escrever, eu digo, o escrever emocoes nao tem gramatica, apenas desabafos...
    Por isso, vao por aqui ficando coisas reais da nossa aldeia, com pessoas tambem reais, com engenhos tambem reais, e pessoas reais, tambem que jamais se venderiam por "dez reis de mel coado"
    Coisas reais que podem baralhar as criancas, aquando como aqui se fala nas sementeiras do modo de a grade, agradar.
    E perguntando porventura aos avos se daqui partiu o termo de agradar as pessoas, tal tem a ver com a grade que agradava e "agradava" a terra.
    Sendo crianca, perguntaria, mas eu e os meus, felizmente sabemos.

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  10. Boa tarde Paula, que excelente cronica sobre a semeadura do pão e todo o trabalho que era necessário efectuar para que depois se pudesse desfrutar do alimento mais apetecido e saboreado em Portugal nesses tempos!
    Do que guardo da infância, na minha aldeia de montes e vales, não havia muitos terrenos propícios a grandes searas, apenas cevada e milho, mas imagino o trabalho que tudo isso dava!
    Realço aqui o meu avô materno, um grande Homem, que jamais se mostrava cansado e fazia tudo com muito carinho! Tempos idos, que já não voltam e que recordo com muita saudade! O meu melhor tempo!
    Um beijinho e muito obrigada por através dos relatos da vossa aldeia homenagearem também todos os trabalhados do campo de então!
    Bom fim de semana.
    Ailime

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    1. Tal qual Ailime, homenageamos todos os trabalhos agrícolas, tempos muito duros, que hoje se calhar até é bom que tenham desaparecido, mas ao mesmo tempo perdeu-se a consciência das dificuldades, como referiu um comentador acima, a maioria das pessoas, ao consumir o pão nunca se lembra como é que o mesmo foi elaborado.
      Já agora, boa produção a quem semeia ou voltou a semear. E, não se esqueçam do ditado: "Em Janeiro sobe ao outeiro, se vires verdejar, põe-te a chorar, se vires negrejar, põe-te a cantar".
      Beijinhos e tenha um bom fim de semana tb.

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  11. Paula e Xico,

    A começar pela linda homenagem aos lavradores dessa terra tão amada, e toda a descrição de como era tudo preparado para a sementeira. Naquele tempo, tudo era artesanal, e por isso era muito mais bonito.
    Passou um filme em minnha cabeça enquanto lia o texto. Era dessa forma na fazendas de meus avós no interior do Brasil. Eu, ainda pequena, ficava olhando da sacada da varanda.
    Sou apaixonada por carros de boi, e eles foram marcantes em minhas férias de infância e adolescência.
    Muito obrigada por tão linda postagem, onde, vendo essa foto do carro de boi, senti uma saudade muito boa, de um tempo que não volta mais.
    Um lindo final de semana para todos!

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    1. Olá Lucinha.
      Obrigada e parabéns por saber pôr nas palavras os sentimentos que as imagens apenas mostram.
      Só por sentir o seu sentir valeu este 'post'!
      Bom fs e um abraço com amizade.

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  12. Paula, voltei aqui, apenas porque li a sua reposta à Nina e sabe, tenho o mesmo sentimento em relação à minha aldeia!
    Apesar de agora toda a gente viver melhor e no caso da minha até está tudo muito bem, mas as gentes, principalmente as gentes não não mesmas! Beijinhos e desculpe.
    Ailime

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    1. Exactamente! As gentes não são as mesmas!
      Uma aldeia são as pessoas, os animais, os sons, os cheiros, as cores, os campos, cultivados ou abandonados, até as searas, as hortas, as casas, as ruas, os largos, as quelhas, as festas… tudo. Mas, por exemplo, uma geração bastou para virar Forninhos de "pantanas", o que é grave...e muito triste.
      Por isso, repito, amo a terra que conheci, não o Forninhos de hoje!
      Beijinhos.
      Boa Semana.

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  13. Uma grande lição sobre a sementeira do pão, e para além do próprio post, os comentários são excelentes!
    Que pena que a maior parte das aldeias tenham vindo a perder a sua originalidade e mística próprias....Também notei isso há dias em São Teotónio; as gentes são muito diferentes, as ruas que eram de calçada de granito foram substituídas por alcatrão, algumas pequenas lojas típicas que existia, como lojas de fazendas, por exemplo, desapareceram....:-(
    Sabemos que os tempos mudam, mas a verdade é que muita coisa muda para pior.
    xx

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